CONTEXTO HISTÓRICO

 

 

 

   
   
  CARNEIRO DA FONTOURA
  Na gesta dos padrões Ideológicos, Políticos e Sociais do
  Brasil Meridional
   
REMINISCÊNCIAS
   
  Contexto Histórico: trata-se de uma inferência de fatos históricos que poderiam ter marcado a vida de João Carneiro da Fontoura, desde sua passagem por Minas Gerais até sua chegada e vivência no Rio Grande do Sul.  
 
 
 
   

 

S U M Á R I O     
     
CONTEXTO HISTÓRICO    Século XVIII – Aos Tempos de JCF
     JCF, nascido em Portugal (1679), teve uma vida ativa durante a primeira metade do século XVIII, em sua maior parte no Brasil. Faleceu aos 90 anos, no Rio Pardo, um dos núcleos que ajudou a fundar, desbravando a nova Colônia.

Fatos existem que evocam uma pesquisa mais acurada e certamente transformarão algumas das hipóteses, agora levantadas, em componentes de sua vida, talvez enriquecendo outros. São ocorrências desde o momento em que se transferiu para o Brasil e após, ao se radicar no Continente do Rio Grande de São Pedro. Ei-los, a seguir.
 

    
1 – A Questão Dinástica Espanhola   
2 – Corsários Franceses no Rio de Janeiro   
3 – Ouro no Brasil   
4 – Ocupação da Cisplatina   
5 – Ocupação Primitiva do Continente do Rio de São Pedro   
6 – Ocupação do Continente do Rio Grande de São Pedro   
7 – Contexto Mundial no Século XVIII   
8 – A Consciência Brasileira no Século XVI   
    
O estandarte escarlate une, em fulminante ação com seu vibrante tremular, os infatigáveis defensores da liberdade; e ao alto se afigura tal que nada se lhe obumbre e submeta.

 

 

 

 

1 – A Questão Dinástica Espanhola    
     
Ao final do século XVII, reinava na Espanha Carlos II sem sucessor direto. Pelo menos dois pretendentes movimentavam a diplomacia européia de então.    
   
Ocorre que Luís XIV, da França, sustentava a pretensão de seu neto, o Duque D’Anjou, da dinastia dos Bourbons. De outra parte, também postulante ao Trono castelhano, estava o Arquiduque Carlos de Habsburgo (Casa da Áustria), referendado pela Inglaterra, Holanda e Alemanha. Portugal atraído por Luís XIV, assina acordos provisionais com a França (1700) e com a Espanha (1701), obtendo garantias para seus domínios ultramarinos. Com a França, posse do rio Oiapoque e domínio das terras do Amapá; com a Espanha, a posse da Colônia do Sacramento. É decisivo. Passa Portugal a defender o reinado de Felipe V (D’Anjou), que foi entronizado após a morte de Carlos II, em 1700. A Inglaterra, uma nação emergente, assedia Portugal com maiores vantagens, o que faz o rei luso, D. Pedro II, mudar seu respaldo em favor do pretendente da Casa da Áustria. É decisão mudada. Assim, a entronização de Felipe V não estava consolidada entre os reinos europeus, e a nova postura da diplomacia portuguesa, ainda que visasse pressionar a franceses e espanhóis transformarem os acordos provisionais assinados em tratados definitivos, resulta em revides na Colônia luso-americana.   Tal questão, muitas conseqüências trouxe para o Brasil Colônia de então: foram as incursões dos corsários franceses em 1710 e 1711; foram as ofensivas dos espanhóis no Sacramento (1704-1705) que muito diz respeito ao estudo aqui exposto. De fato, destes episódios emergem talvez motivos que fizeram JCF aportar nestas plagas, tendo aqui disseminado vasta clã.
 
 
 
 
 
 
A questão do Trono espanhol só ficaria plenamente resolvida, embora D’Anjou o tenha ocupado por desejo testamentado de Carlos II, quando em 1711, falecendo o Imperador alemão, Carlos de Habsburgo assume o Império como Carlos VI, desfazendo-se da pretensão ao da Espanha. D’Anjou‚ reconhecido como Felipe V, a Inglaterra intermedeia a pacificação dos ibéricos, ensejando o Tratado de Utrecht, em 1715.    
   
   
     
2 – Corsários Franceses no Rio de Janeiro    
     
A brusca guinada de apoio a Felipe V, que levou Portugal a aliar-se com os ingleses e holandeses, resulta em franca controvérsia com os franceses que se consideram traídos. Sem mais alternativas por via diplomática, planejam incursões piratas na Colônia lusa da América. A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como alvo, um rico porto exportador de ouro, recentemente descoberto nas Minas Gerais. Era o ano de 1710.
Primeiro foi Du Clerc que, com 6 navios, ataca e é rechaçado na Fortaleza de Santa Cruz; já em terra, revida pelos arrabaldes do Engenho Velho, porém‚ é posto fora da ação. Preso, é assassinado posteriormente.
Novo ataque, em 1711, ocorreria por Dougguay-Troin. Tropas de reforço já providenciadas das Gerais não chegariam a tempo. Bem sucedido em seu intento, zarpa da Cidade com sua frota lastrada pelo produto do saque obtido.
Nessa mesma época, era tumultuada a disputa pela mineração nas Gerais. Ocorreu, em 1707, a Guerra dos Emboabas e, em 1720, a Revolta de Vila Rica.
  Estes fatos determinariam às autoridades locais, temendo novos ataques ao incipiente porto da Guanabara, exportador do ouro, que começava a ser explorado, recrutar tropas de guerra. É pois, deslocado das Minas Gerais um contingente militar. Primeiro, o fazem temporariamente e, após, criam-se tropas regulares sediadas no Rio de Janeiro.
Admite-se que este novo pólo de inquietação, estratégico, seja a razão da transferência de JCF de São João d’El-Rey para o Rio de Janeiro que, em caráter definitivo, ocorrera entre 1733 e 1734.    
 
 
 
 
 
   
   
     
3 – Ouro no Brasil    
Até o fim do século XVII, a política colonial da Metrópole usufruía significativos lucros fazendários com a cana-de-açúcar e o próprio açúcar exportado do Brasil. Também o tabaco serviria de suporte ao tráfico negreiro. Já o algodão, face aos acordos entre Portugal e Inglaterra (1730 e 1785), que não facultavam a implantação de indústrias têxteis no Brasil, era exportado especialmente para servir de insumo à nascente tecelagem inglesa. Esse, uma vez processado, iria servir de mercancia nos domínios portugueses, inclusive.
Foi, no entanto, a descoberta do ouro pelos bandeirantes em 1693, por Antônio Rodrigues Arzão, que produziu quiçá o mais significativo movimento migratório de lusos, baianos, pernambucanos e vicentinos para as Minas. Portugal se alerta. Uma avalanche de mineradores, suas famílias e escravos a partir de 1705, faz o Reino tomar medidas restritivas, já em 1711. A imigração chega a 50.000 almas e chegará a quase 500.000 no terceiro quartel do século XVIII, quando Minas Gerais tem a maior densidade populacional da Colônia.
Profundas modificações administrativas, econômicas e sociais se processariam no Brasil, a partir das Minas Gerais. A Coroa, vislumbrando o significado da mineração – do “rico coração de ouro” que mais tarde também se descobriria num “peito de ferro” –  sobrecarrega a mineração com altas taxas fazendárias. Em 1702, cria o Regimento da Mineração e vincula a Intendência de Minas direto a Lisboa. É imposto o pagamento de um quinto da produção em taxa para a Metrópole. A Casa da Fundição, diz-se, impedirá o contrabando. Em 1711, é proibida a exportação ao produtor que não comprovar o pagamento do “quinto”. A espoliação inquieta os mineradores. O ouro descoberto em Mato Grosso não provoca a mesma corrida. Seria trocar o certo pelo duvidoso.
Neste clima de euforia e ao mesmo tempo de perplexidade, vive-se nas Minas. Minas Gerais quando, em 1731, também produzirá diamantes. Tantos são os forasteiros  – os Emboabas –  tantas também são as acusações de contrabandistas aos mineradores que, nas tavernas e confrarias, o assunto domina. Discutem os mineradores, também estarrecidos, com a excessiva carga tributária. Movimentos de revolta se organizam. Na Guerra dos Emboabas, de 1707 a 1708, os vicentinos de Manuel Borba Gato se revoltam contra os intrusos liderados por Manuel Nunes Viana. Não se conformam em ver esta gente recém chegada a ganhar os mesmos quinhões das terras que tiveram a primazia de desbravar. Já a Revolta de Vila Rica (1720), em protesto ao quinto quitado da produção‚ é liderada por Felipe dos Santos Freire que foi enforcado e esquartejado1.
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
  1   Mais tarde, em 1788, já com Filosofia Liberal Iluminista, a Conjuração Mineira, de Tiradentes, marco da nacionalidade brasileira, como causa próxima, assenta-se na espoliação da Metrópole. Até parece uma sina permanente, ver o Poder Central esconder a inépcia administrativa na carga.
 
 
 
     
4 – Ocupação da Cisplatina    
     
A colonização do Cone Sul-Americano, bipartido face ao Tratado de Tordesilhas, esteve dependente por longo tempo de três pólos: Salvador, através do distrito de São Vicente (depois do Rio de Janeiro), e os hispânicos, Buenos Aires e Assunção.
Consta terem os portugueses a primazia de fundear no rio da Prata em 1513, já os castelhanos, diziam tê-lo feito por João Dias Solis, em 1515. Ricas em detalhes diplomáticos, no entanto, é com a posse que se definiria a ocupação. Os espanhóis saltam à frente, fundam Buenos Aires em 1536, indo se concentrar em Assunção. Fica incólume essa imensidão de terras, desde a mais meridional vila portuguesa, São Vicente (1532), até as margens orientais do rio da Prata. Precárias são as condições de aportamento e outras são as riquezas a explorar alhures.
   
   
   
   
   
   
          FUNDAÇÃO DE MONTEVIDÉU    
Os portugueses puseram-se a ocupar estratégicas posições cada vez mais ao sul: Paranaguá, no início do século XVII, Curitiba e depois Santo Antônio dos Anjos da Laguna ocorrem em 1684. Avançam ousadamente e pretendem assentar-se num porto à margem esquerda do rio da Prata, Monte de São Pedro, local onde seria fundada Montevidéu mais tarde. A obsolescência do Tratado de Tordesilhas era um fato. Os lusos, também no interior do Continente, investiam com as entradas dos vicentinos. Assim, a questão dos limites teria de ser solucionada, ou por via diplomática, ou pelas lanças, bem ao gosto dos rusguentos ibéricos.    
   
   
   
   
          COLÔNIA DO SACRAMENTO UMA INVESTIDA AINDA MAIS OUSADA    
Ao nível diplomático, o Papa Inocêncio XI dá um poderoso trunfo a Portugal, estendendo a jurisdição do Bispado do Rio de Janeiro até ao Prata (1676). Este fato enseja a que Manoel Lobo, em 1680, cumprindo determinações do Príncipe Regente D. Pedro, funde a Colônia do Santíssimo Sacramento do Rio da Prata. Os espanhóis se inquietam e numa imediata ação ocupam-na por sete meses2. Aí permanecem até 1681, quando um acordo com Felipe V, da Espanha, sob os auspícios de Luís XIV, em plena Guerra de Sucessão da Coroa castelhana, Portugal volta a dominar a Colônia do Sacramento3.    
  2   D. Manoel Lobo, que enfermo passara o comando para o Cap. Manoel Galvão, resultou aprisionado nesta tomada, sendo conduzido a Buenos Aires, aí faleceu na maior penúria. Um verdadeiro mártir desta ousada ocupação.
3   O mais importante deste Tratado Provisional‚ foi o tácito reconhecimento deste domínio, inserindo-o aos lusos, eis que a demarcação pelo Tratado de Tordesilhas era questionada. Uma questão que interessava ao nível diplomático português, visto que aos geógrafos e matemáticos os limites deveriam estar suficientemente definidos.
 
Em 1703, no entanto, Portugal alia-se à Inglaterra e retira o apoio dado a Felipe V. Novo ataque sofre esta Fortaleza  – o segundo. Tomada em 1705, só seria devolvida em 1716, após o Tratado de Utretch, agora sob o signo inglês. Cedem os espanhóis, porém a consciência castelhana da América jamais toleraria este avançado posto português.  
 
Os portugueses preocupam-se em povoar a região. Facilitam a vinda de famílias, além de soldados. Os espanhóis entendem a estratégia de ocupação e fundam Monte Vidi4 em 1726. Era o contra-ataque tático dessa ocupação. E não tardam em desembarcar famílias de galegos para ocupar São José, um pouco mais ao nordeste de Colônia, circundando-a. Uma ocupação territorial com significado tanto para o plano econômico, como para o militar. Ocorre que o comércio do charque e couro era nascente e Colônia inserida entre dois postos hispânicos   – Buenos Aires e o recém fundado Montevidéu –   ficava imobilizada para qualquer ataque ou socorro do Centro do Brasil. Ambas as potências passam a disputar palmo a palmo a banda oriental do rio Uruguai.    
  4   Monte Vidi, uma alusão ao monte de São Pedro (do Continente de São Pedro) que os portugueses tentaram, sem denodo, ocupar 3 anos antes. Local que seria a futura capital uruguaia.
 
   
   
Era mudar a diplomacia na Península Ibérica e esta região tornava-se um palco de hostilidades. Chega o ano de 1737, não podendo os portugueses ocupar Montevidéu, fundam Rio Grande, segundo plano de Silva Paes, referendado pelo Conselho Ultramarino, durante o reinado de D. João V, em que era Secretário de Estado, o Padre. Alexandre de Gusmão5.   5   O plano de Silva Paes, tinha três pontos, a saber: expulsar os espanhóis de Montevidéu, que conquistaram em 1726; livrar a Colônia do Sacramento do cerco imposto por D. Miguel Salcedo, desde 1735, e fundar Rio Grande, para dar melhor suporte aos coloneses que a duras penas vinham resistindo. Objetivos militares justificados na nascente pecuária da região.
 
     
          RIO GRANDE UM PORTO MAIS SEGURO    
     
Consta que Gomes Freire de Andrade, Governador do Rio de Janeiro, tão logo tomou conhecimento da implantação do presídio Jesus-Maria-José, segundo o estabelecido, providenciou sua consolidação. Assim embarcaram, dias após, naus com armas, munição, tropas, povoadores e suprimentos diversos, que somente no 1º dia de novembro de 1737 desembarcaram na barra do Rio Grande6. Depois se sucederam outros embarques semelhantes constituindo-se nos precursores do povoamento sistematizado do Continente do Rio de São Pedro.    
  6   Borges Fortes, em “O Brigadeiro José da Silva Paes e a Fundação do Rio Grande” menciona que nas embarcações comboiadas pela galera N. Sª. da Glória, navegavam 1 capitão, 1 alferes, 1 tambor, 38 soldados de Minas e 56 do Rio de Janeiro, todos para o novo Regimento de Dragões, comandado por André Ribeiro Coutinho, e mais 31 soldados para a artilharia. Iam também 67 pessoas de casais que se destinavam ao povoamento. ERUS, p. 95.
 
 
     
    Particularmente importante o fato da fundação de Rio Grande, eis que com ela tem início a trajetória de JCF e sua progênie em terras sulinas da Colônia portuguesa.
5 – Ocupação Primitiva do Continente do Rio de São Pedro    
     
O Continente do Rio Grande de São Pedro7, constituído pela região, desde a bacia do rio Uruguai até as margens orientais do estuário do Prata, esteve incólume da civilização do Velho Mundo, pelo menos até o século XVIII, quando Silva Paes funda o Presídio Jesus-Maria-José, na embocadura do rio Grande. Somente os silvícolas usufruíam recursos animais e vegetais que se multiplicavam dadivosamente. O difícil acesso, o aportamento impróprio afugentavam qualquer aventura desbravadora, a não ser por iniciativas isoladas. O pau-brasil, primeiro, açúcar, algodão e tabaco do nordeste, além do ouro e diamantes das Minas Gerais, para o Reino de Portugal eram a principal atração. Já os castelhanos se locupletavam com o ouro e a prata dos Incas e Astecas, além do tabaco e açúcar.   7   A expressão Continente, à época da colonização, designava terras contínuas, distintas das ilhas costeiras; Rio, consta ser a denominação dada à embocadura da barra da lagoa, único local aportável da costa meridional, por Martin Afonso de Souza, quando em 1531 fez sua viagem de reconhecimento ao Sul do Novo Mundo; São Pedro era uma homenagem a Pêro (Pedro) Lopes de Souza, seu irmão e piloto de uma das naus; finalmente, entremeou-se Grande a partir de 1550.
 
 
 
 
 
Ocorre, no entanto, que uma primitiva colonização se daria pelos jesuítas espanhóis. Foram duas regiões onde se localizaram os aldeamentos: o de Tapes e o do Uruguai8. Estes jesuítas vieram a partir dos ataques vicentinos às Reduções Paraguaias (1620). Os novos aldeamentos sofreriam iguais ataques, realizados de 1635 a 1641. Retirantes, mais uma vez, se alojariam na margem direita do rio Uruguai, aí formando as Missões Argentinas. Voltariam mais tarde, em 1687, para fundar os Sete Povos, com uma catequese mais organizada, sendo finalmente banidos, já em meados do século XVIII.   8   O aldeamento do Uruguai nas margens orientais do rio de mesmo nome e ao norte do rio Ibicuí; o de Tapes, mais a oeste, se estendendo pelo Vale do Caí, Serra dos Tapes e Serra Geral.
 
 
 
O que resultaria daqueles aldeamentos primitivos e abandonados, para a ocupação do Continente do Rio Grande? Primeiro, a presença lusa se impondo sobre a castelhana e, segundo, a disseminação do gado crioulo9. Gado esse que serviu, já no final do século XVII, de abastecimento de couro à Europa e ao Centro do Brasil. Para o Velho Mundo, arrebanhavam-se reses das Vacarias d’el Mar e, para o Brasil, concorriam as presas nas Vacarias dos Pinhais. O mesmo gado que se espalha e inspira Silva Paes a implantar a Fazenda Bojuru, em São José do Norte, e assim garantir subsistência à Fortaleza e cavalhada para as incursões militares.   9  Gado bovino, muar e eqüino, chamado bagual, xucro e, também, chimarrão, criado sem qualquer sistematização, trazido pelos jesuítas a partir de crias obtidas com os jesuítas portugueses de S. Vicente e, mais remotamente, originário do rebanho ali desembarcado por Martim Afonso de Souza.
 
 
 
 
Em se falando da ocupação primitiva do Continente do Rio Grande de São Pedro, há de se relembrar que, além dos jesuítas e das entradas dos sertanistas, quais já aduzidas, são os tropeiros em busca de gado e couro para consumo no florescente mercado das Minas, a partir de 1700, que têm uma contribuição importante. Claro está, com o desbravamento da terra trazem habitantes distintos dos bugres, herdeiros naturais até então. Paulistas e lagunenses atravessam o Mampituba e fixam-se nos campos de Viamão, São José do Norte e Tramandaí. Entre outros, Cristóvão Pereira (1727), João de Magalhães (1732), Francisco Pinto Bandeira (1734), aí faziam suas campeadas, a partir da Picada dos Conventos, aberta em 1727.    
   
   
   
   
Na verdade, a política de ocupação do Continente do Rio Grande‚ decorrente do plano militar e não do plano econômico de colonização das coroas ibéricas. Portugal, através do Conselho Ultramarino, hesitava, mesmo ante propostas dos sertanistas que aí pretenderam incursionar. Foi no reinado de Dom João V (entronizado em 1706), que a colonização do Continente do Rio de São Pedro se tornaria sistematizada, quando o plano de Silva Paes, exposto em 1736, é aceito. Urdida assim, em objetivos militares, onde o interesse econômico era apenas uma justificativa e o interesse social uma decorrência, a colonização apoiou-se, sobretudo, na destemida gente que se dispôs a enfrentar as agruras do desbravamento, alojados em toscas moradias, enfrentando os silvícolas e o iminente confronto com os espanhóis.    
   
   
   
   
   
     
6 – Ocupação do Continente do Rio Grande de São Pedro    
     
           3ª INCURSÃO ESPANHOLA – D. MIGUEL SALCEDO – 1735    
Passavam-se já duas incursões espanholas, tentando dominar a Banda Oriental ou Sacramento dos portugueses. Assim foi pela primeira vez, logo após a fundação, em 1680, apoderada até 1681. Na outra, em 1705, após a retirada do apoio português aos franceses e castelhanos, durante a questão dinástica, ao firmarem posse até‚ que pelo Tratado de Utrecht (1715), sob pauta inglesa, cedem os espanhóis.    
   
   
Cederiam ao nível diplomático, porém a consciência dos castelhanos do Prata rejeitava esse acordo. Não desistem de rearticular a ocupação. Interpretando que o trato previa domínio da Colônia “até o alcance de uma bala de canhão”, porém não disparada das fronteiras da Banda, até porque não estavam demarcadas, mas sim da Fortaleza ali estabelecida  – a Ciudadela para os castelhanos –  restringindo a ocupação lusa, fundam Monte Vidi. Nesse clima de rusgas, nova cisma    
   
   
Agora, o pretexto‚ um incidente com funcionários da Embaixada lusa em Madri. Portugal e Espanha rompem relações, sem hostilidades na Península, porém Colônia novamente seria alvo do espírito rixento dos ibéricos. E assim, pela 3ª vez, agora‚ o Governador de Buenos Aires, D. Miguel Vertyz y Salcedo, investe contra a Fortaleza de Colônia a qual, em heróica resistência, oprimida pela limitada reserva de mantimentos e munições, se mantém durante 23 meses. Cessa o ataque face ao acordo de Paris de 1737.    
   
   
Muita coisa mudava nessa ofensiva. Os portugueses, que procuravam consolidarem-se no Sacramento, retiram-se com seus familiares para erguerem Rio Grande e Viamão10. A estratégia permanece: ocupar terras colonizando-as e fundar fortalezas no suporte militar. Chega o ano de 1750, Portugal defende o princípio de ut possidetis para garantir seus domínios no Sul e Centro-Oeste da América, novo tratado de limites, o de Madri, centrando-se nas fronteiras naturais até onde chegara o seu domínio. Revogado definitivamente o antigo Tratado de Tordesilhas, fica a Espanha com a Banda Oriental e Portugal, com as Missões, no Sul.    
  10              Serão os precursores da grande retirada que iria ocorrer entre 1763 a 1777, quando se mudam para a região da Coxilha Grande, na cabeceira do rio Negro (Piratini, Pinheiro Machado, Pelotas, Canguçu).
 
 
Acalmados os ânimos, lançam-se os peninsulares em ação conjunta na demarcação da fronteira. Gomes Freire atuaria de Castilho Grande (Uruguai) até o rio Santa Maria, e seguindo o rio Ibicuí. Trabalho árduo, de abertura de picadas em mata nativa, um desafio a cada passo. E as dificuldades aumentaram quando se viram atacados pelos Tapes. Agindo de forma conjunta, tropas luso-castelhanas trucidariam os catequizados silvícolas, instigados pelos jesuítas que, segundo pensamento do Marquês do Pombal, mantêm pretensões de conquistar terras, aqui e no Amazonas, em favor dos Estados do Vaticano. Em desigual luta, de 1754 a 1756, morre o legendário Sepé Tiaraju e também, no combate final, Nhanguiru. O comissário português, Gomes Freire, considera o trabalho de demarcação atrapalhado e se recusa a tomar posse das Missões em circunstâncias precárias. Desconfiam os espanhóis ser apenas artimanha para não entregarem o Sacramento. Desconfiam os portugueses que os jesuítas espanhóis são aliados dos castelhanos. A demarcação é abandonada em definitivo.    
   
   
   
   
   
   
   
Era plena Era Pombalina. Marquês do Pombal11, temendo a ação dos jesuítas, gestiona junto à Espanha e ao Vaticano o banimento desses clérigos das terras do Novo Mundo e Península Ibérica, os quais seriam acolhidos na Alemanha especialmente. Primeiro saem os do Paraguai, em 1755, seguidos pelos do Brasil, em 1759.   11              Secretário de Estado de Dom José I, homem de ferrenha força de vontade e hábil estadista, muito controvertido, dominou todo o reinado. Prepotente, era implacável na perseguição aos adversários. Considerado um dos “Déspotas Esclarecidos”, isto é, capaz de lançar mão de todos os meios políticos, desde que os considerasse em benefício de seu povo, com idéias pretensamente fundamentadas no Iluminismo nascente. Entre os Déspotas estão José II, da Áustria, Catarina II, da Rússia, Frederico II, da Prússia, e Carlos III, da Espanha.
 
 
           4ª INCURSÃO ESPANHOLA – PEDRO CEVALLOS – 1762  
Na Europa, desde 1756, França e Inglaterra estão envolvidas na Guerra dos 7 Anos. Os Bourbons estavam no trono de vários estados: na França de Luís XIV, Espanha, Nápoles, Parma e também em Portugal. Havia como um pacto dinástico entre esses reinos. Portugal mantém aliança com os ingleses. Isto põe lusos e castelhanos mais uma vez antagônicos. A América entrará em luta.
Os espanhóis, por Pedro Cevallos, atacam a Colônia do Sacramento (1762) e avançam para Rio Grande (1763). Ocupam antes Santa Teresa e São Miguel (Uruguai). Os soldados de Tomás Luís Osório, no comando destes destacamentos, batem em retirada com moral destroçada, trazem pânico a Rio Grande. Viamão foi o destino da população civil, face ao ataque iminente. Rio Grande fica sob o domínio espanhol até 1776, muito embora, já no ano de 1763, pelo Tratado de Paris, a paz fosse restabelecida. O Governo luso-brasileiro se instala em Viamão e Rio Pardo. Mas a imprudência de Cevallos em não ceder Rio Grande, determina, mais uma vez, que seja pelas armas o impasse resolvido.
   
   
   
   
   
   
   
           5ª INCURSÃO ESPANHOLA – JOAN JOSÉ VERTYS Y SALCEDO – 1773    
Os portugueses se organizam militarmente, precisam retomar Rio Grande. O Gen. João Böhm12 passa a comandar as tropas que fariam a reconquista, reforçadas por militares recrutados no Rio de Janeiro, Minas e São Paulo, além, é claro, do contingente ali sediado13, mas insuficiente ante o poderio imposto pelo invasor. José Marcelino de Figueiredo14 tem o Comando central. José Carneiro da Fontoura comanda o contingente de Dragões do campo ulterior de Rio Pardo. Também o reforço naval foi providenciado, o cap. Mac-Douall, irlandês a serviço de Portugal, comandava a esquadra do Sul que contava com mais forasteiros, o comandante Hardcastle, entre outros. Sem dúvida, a maior operação militar do Brasil Colônia.   12   João Henrique Böhm, general que serviu a tropa lusa, quando o Conde Guilherme de Lippe, também alemão, organizou esse exército durante a guerra contra a Espanha e França. Consta que, ao acampar as margens setentrionais do rio Grande, seus comandados chegaram a 6.000 homens.
13   Faziam parte do contingente de Dragões, gente que formou os troncos da gênese rio-grandense, entre eles, os Pereira Pinto, os Pinto Bandeira, os Carneiro da Fontoura, os Corrêa Câmara, os Menna Barreto, os Amaral Sarmento Menna, os Azambuja, os Oliveira Guimarães, os Charão. (Conforme Walter Spalding, citado em Vol. II, Anais do Simpósio Bicentenário Restauração de Rio Grande, p.609).
14    J Figueiredo, oficial português, cujo nome verdadeiro era Manuel Jorge Sepúlveda, face incidente com oficial inglês, veio para o Brasil, Rio de Janeiro e, após, para o Rio Grande.
 
Em 1773, no entanto, JJ Vertyz y Salcedo invade pelo vale do rio Negro e, em suas cabeceiras, funda Santa Tecla. Investe rumo a Rio Pardo. Rafael Pinto Bandeira e Cipriano Cardozo, com o apoio de José Carneiro da Fontoura, usando táticas de guerrilha, detêm este ataque, primeiro no passo de Camaquã, depois no arroio Santa Bárbara e, finalmente no arroio Tabatingaí, nos pantanosos campos de R. Pardo. Esta operação  – Retardadora –  planejada por Marcelino de Figueiredo, visava a embaraçar o reforço espanhol em apoio a Rio Grande ocupada. Em 1777, Rafael Pinto Bandeira toma o Forte de Santa Tecla. Rio Grande reconquistada no ano anterior, não significava derrota definitiva ao invasor decidido.  
 
   
   
A bravura do continente de Dragões constituído pela 2ª geração dos precursores da colonização, e o seu desempenho militar no resguardo da Fortaleza de Rio Pardo, foram por demais significativos para a reconquista de Rio Grande e valeu àquela Vila a denominação até hoje ostentada com orgulho: Tranqueira do Rio Grande.    
     
6ª INCURSÃO ESPANHOLA – CEVALLOS EM SANTA CATARINA – 1777    
Cevallos revida, após a perda de Rio Grande e ataca S. Catarina, com poderosa frota de 116 navios, 13.000 homens. Rio Grande via-se novamente ameaçada e Colônia do Sacramento‚ submetida ao 5º ataque. É destruída e seu porto obstruído.
Morre D. José, fim da Era Pombalina, a política de Dona Maria I possibilita o arrefecimento dos ânimos. A Inglaterra, que saiu fortalecida da Guerra dos 7 Anos, passa por significativas mudanças. Está em andamento sua Revolução Industrial. As colônias inglesas da América lutam pela independência. E é essa Inglaterra que entende precisar de harmonia interna, para melhor ajustar-se às profundas transformações sociais, e da paz mundial, para melhor colocar seus excedentes de produção. Assim, sob sua pauta, intermedeia o armistício entre os ibéricos e, por extensão, a paz no Sul do Continente americano.
   
Novas gestões em nível diplomático. Surge o Tratado El Prado, que anula os efeitos do Tratado de Madri, porém de efêmero efeito. Novo tratado em 1777, o de Santo Ildefonso, tomando os mesmos princípios do de Madri. Mais uma vez a questão da fronteira (Sul)‚ resolvida. É injusto, diz a consciência colonizadora sulina, relutando quanto ao acordo diplomático. Ficam sem o Sacramento e sem as Missões, embora, com o Centro-Oeste, Portugal tenha duplicado seus domínios. Novas demarcações que também seriam interrompidas15.   15   A Comissão Demarcadora contou com o notável trabalho de José Saldanha e Joaquim Félix da Fonseca Manso.
    Esse lutar sem trégua fez dos primitivos habitantes marcar com bravura o chão conquistado.
E da conquista, que era das coroas ibéricas, resulta uma consciência politizada desde os troncos seculares, formados por trás-montanos, madeirenses, açorianos, lusos em geral.
Uma consciência também politizada pela exuberância de transformações que experimentava a Europa.
7 – Contexto Mundial no Século XVIII  
   
Foi a partir de 1775, enquanto o mundo vive profundas modificações políticas e ideológicas, que surge nova ordem econômica. Formam-se os grandes impérios capitalistas em substituição ao colonialismo mercantilista. Surgem as teorias liberalistas, combatendo o absolutismo iniciado com Richilieu, em 1610, cujo apogeu esteve com Luís XIV, em 1715. Assim iriam florescer, com o nacionalismo, de 1815 a 1886, os estados modernos europeus (e americanos). Por exemplo, deixa a Espanha de influir na Alemanha e Países Baixos. Tal nacionalismo fundamenta a unificação política dos povos de mesma cultura. Já o imperialismo aglutina nações que não conseguem delinear suas próprias políticas, em torno de uma monopolista. De outra doutrina, o comunismo, através de mudanças, preceitua a igualdade econômica e social.
Que fatores relevantes determinariam tão profundas transformações? Admitem-se dois fundamentalmente, a Revolução Industrial, na Inglaterra, e o Iluminismo, especialmente o francês (e mais remotamente o Renascimento e a Reforma).
 
 
 
 
 
           A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL    
Ao pôr fim à Guerra dos 7 Anos, a Inglaterra sai fortalecida. Domina os mares e está em franco desenvolvimento o seu processo de industrialização, para o qual a Europa só acordaria no início do século seguinte. A indústria ganha, então, vários mecanismos que lhe propiciariam um descomunal salto de produção. O alto forno à hulha em 1709, o tear mecânico em 1722, a fiação do algodão em 1764, a fabricação de aço em 1784, a máquina a vapor em 1776 e 1782. A volumosa produção requer nova frente de comércio, pois a interna fica saturada. Em exemplo, os tratados comerciais com os portugueses propiciam a colocação do tecido inglês nas colônias lusas em troca da importação do vinho do Porto, com a taxa alfandegária de um terço da estipulada ao vinho francês; noutro exemplo a mais, o Brasil tem proibida a implantação de indústria têxtil que não seja para fardos e vestimenta dos escravos.    
A nobreza elitista européia tem, na posse da terra, seu trunfo. Surge uma classe poderosa, a dos comerciantes, eis que com dinheiro compram também seus títulos de nobreza. Uma aristocracia que, visando à atividade lucrativa deixa a ociosidade e a exploração do trabalho escravo, o qual passa a ser remunerado. O feudalismo começa ceder ante os emergentes pólos burgueses. Adam Smith, chocando o pensamento francês dominante, qual seja, apenas na atividade primária, especialmente na agricultura, está a mais significativa fonte de riqueza, prevê que a indústria iria monitorar as sociedades modernas, tornando-se a principal fonte do trabalho produtivo. E como assim se confirmou, começa a população urbana a crescer mais que a rural16    
   
   
  16  Alvin Tofler, em 1990, referir-se-á a este momento da História  – a Revolução Industrial –  como a 2ª onda. A 1ª onda reservou à agrária e a 3ª, correspondendo à terceirização da economia.
 
     
           O ILUMINISMO    
Concomitante com o liberalismo inglês, o movimento de intelectuais franceses, notadamente o Iluminismo, expresso pelos enciclopedistas, espalha por todo o planeta idéias de liberdade, igualdade e fraternidade. Rousseau, Montesquieu e Voltaire, além de Diderot e D’Alambert, são os mais notáveis. Firma-se o desenvolvimento científico: racionalismo, empirismo, pragmatismo17.
A Filosofia das Luzes se fundamenta no tripé liberdade-igualdade-fraternidade. Assim, o peso de um segmento social é mais relevante que uma liderança. Esta, se forte, deixa de ser despótica, caudilhesca, para em função do povo e somente dele emanado, estabelecer a melhor estratégia de ação na busca do bem comum. Interpretar o que o povo quer, substitui ao que o líder, por um enfoque subjetivo, deseja para seu povo.
Tal assim o foi (e é) que o próprio Império Napoleônico (1796-1815), nascido em meio à Filosofia da Ilustração, seria vítima de sua própria expansão. Ora, num momento em que o nacionalismo se firmava, povos de culturas diversas estariam sendo subjugados a ideais não geminados em seu seio. E mais, num erro que Hitler, já no Século XX, não soube captar: quis dominar o mundo num só lance. A vida de uma nação não tem a duração da de um líder.
Enfim, a obra legada pelos enciclopedistas, designa o século XVIII por Século das Luzes, pois sistematiza todo o conhecimento humano e entrega-o desmistificado, ao alcance de todos indistintamente. Desde o Renascimento, ao mesmo tempo em que aflorava o racionalismo, o homem sentia-se confuso, sem distinguir com clareza o que era da ciência, da filosofia e da religião.
  17 Desenvolvimento científico que, no Renascimento teve a descoberta do infinito do Cosmos com Copérnico (1473-1543); a lógica da experiência de Bacon (1561-1626); a distinção entre filosofia, ciência e religião, de Galileu Galilei (1564-1642); certeza intelectual e a metafísica de Descartes (1596-1650), considerado o “pai da filosofia moderna”, inspirando a Spinoza, Leibniz, Kant, Hegel, entre outros; a certeza da experiência de Pascal (1623-1662); a busca de uma teoria unificada de Sir Isac Newton que, em 1687, publicou os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, trabalho marco no campo das ciências.
 
 
 
   
   
           NOVO CONTEXTO MUNDIAL    
Com essa ordem de pensamento difundindo-se em todo o mundo ocidental, de 1775 a 1848, registram-se importantes fatos considerados marcos da nova estrutura social política e econômica mundial:    
          – a independência das 13 Colônias – Estados Unidos;
         – a Revolução Francesa;
         – a descolonização da América espanhola e depois também do Reino do Brasil;
         – a formação dos estados modernos (nacionalismo).
   
Com a Revolução Francesa, 1789-1799, marco inicial da Idade Contemporânea, simboliza-se a transformação do que se processará no Século XIX:    
          – a política liberal burguesa e radical democrata, obturando o absolutismo e feudalismo;
         – a substituição da economia mercantilista agrária pela industrial; e
         – a substituição do sistema colonial pelo imperialista.
   
     
8 – A Consciência Brasileira no Século XVIII    
     
A sociedade está assim constituída: mestres-escolas, médicos, advogados, clérigos, funcionários, militares, tropeiros, comerciantes e escravos. A mineração fomentou a produção rural. É, neste século, descoberta a eficiência dos pampas platinos, fazendo os vicentinos intensificarem a comercialização de mulas, jumentos, cavalos e carne seca. Os cariocas comercializam utensílios domésticos e de mineração. Os funcionários nas juntas de governo (Câmara e Fazenda), senados de comarca (municípios e vilas) e os militares (Dragões e Ordenanças) na defesa do território, contra os índios, os estrangeiros e na manutenção da ordem. Os senhores rurais, em seus domínios substituem o poder constituído. Em 1759, com o banimento dos jesuítas, o sistema de ensino desagrega-se e será repensado.
O comportamento de Portugal, durante a Guerra de Sucessão da Espanha, dúbio, desprovido de política própria mais profunda, gera hostilidades dos castelhanos e franceses e ainda dependência econômica à Inglaterra. Aliás, uma condizente política a orientar suas ações parece ausentar-se desde a União das Coroas Ibéricas (1580), com Felipe II, ou até mesmo, após o reinado de Dom Manuel.
O absolutismo português, iniciado com D. João V, do Padre Alexandre de Gusmão, atinge o auge com D. José, do Marquês do Pombal, traz para todo o Reino do Brasil, significativas mudanças:
          – a subjugação do clero que, com o expurgo dos jesuítas, altera o processo de ensino;
          – os acordos de Portugal com o Inglaterra, contrários ao sentimento nacional, determinam movimentos anticolonização e antipatia à Inglaterra;
          – a pesada carga fazendária imposta aos colonos, reforça o sentimento Liberal tão em moda na Europa.
   
A vinda da Família Real, em 1806, vista como promissora ao desenvolvimento colonial do Brasil, tantos serão os benefícios arrolados, pode ser pensada também como um fato inibidor do processo emancipacionista brasileiro. Assim foi, que da Inconfidência Mineira (1789) à Independência (1822), via-se a Colônia obscurecida em seus ideais Liberais pela ótica fascinante de conviver com tão ilustres hóspedes.    
Em especial, no extremo sul da Colônia, o vetor que determinava a ação era a posse da terra. Justa e empolgante fora esta ação que, em conjunto com a dos bandeirantes, hoje o Brasil orgulha-se de sua vasta extensão territorial. Um potencial de riquezas inesgotáveis18 que, uma vez descoberta pela consciência nacional propiciará o tão almejado destaque entre as mais poderosas do universo. A égide do espírito bélico que norteava os vizinhos ibéricos do século XVIII, foi mais uma vez reforçada com a vinda da Família Real. D João e D. Calota Joaquina19 acedendo à política de ocupação, propiciam incursões no Norte e no Sul.   18   Talvez, exatamente, pela superabundância de recursos (toda a necessidade é suprida sem sacrifícios) associada ao centralismo e paternalismo do Governo Central que avilta a consciência de cidadania  – o indivíduo passa a ser um consumidor de direitos sem valores ao dever  – faz a maturidade política vacilar, por longos anos, sem jamais ter vencido o permanente estado de crise econômica e social. Benquistas riquezas, lastimável tão somente sua disponibilidade.
19   D. Carlota Joaquina de Bourbon (filha de Carlos IV, hóspede forçado de Napoleão, e rei da invadida Espanha), consta que pretendia estabelecer uma nova regência sobre toda a América espanhola. A Banda Oriental era o mais próximo alvo.
Politicamente, o Brasil tornar-se-á independente, mais por força da nova ordem mundial do que por maturação da Consciência Nacional20. E o brado retumbante dessa brava gente em busca de um ideal imanifesto, é tão somente definir um norte a partir de suas próprias raízes e, sem desprezar a experiência de outras nações, não imitá-las. É oportuno lembrar a queda do colonialismo: embora uma tendência natural, pois os sistemas sócio-econômicos se obturam de per si, vaguearam os ibéricos, sem nada conservar, e o oportunismo que inspirou os franceses e ingleses, quando emergem ante o poderio econômico então detido pelos luso-castelhanos. Oportunismo não ditado pelo desgaste a que se submeteram os colonizadores sul-americanos, mas por terem os emergentes, luz para definir seus destinos ante a nova ordem que se avizinhava, e principalmente, partindo de suas características étnicas e de suas realidades sociais.   20   Sem dúvida, oriundo de um espírito beligerante associado ao liberalismo e filosofia iluminista, cria-se uma mentalidade semipolitizada, elitista, sem vivência na industrialização que aspira. Os senhores rurais tendem a agir em face de seus interesses, nem sempre ao encontro da coletividade nacional. A sociedade como um todo, em permanente busca de um líder, se aplacará, desnorteada. Os partidos políticos arregimentarão seus correligionários em função do poder e não de ideais. Ideais que somente constarão dos esquecidos programas partidários, apenas sustentados nas siglas convenientemente arranjadas.
     
     
    · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
   
   
  Tremula a liberdade, a ordem natural das coisas é plena e exitosa;
é tempo de recuperar as energias para novas ações que, por certo,
teimarão em perturbar a harmonia com denodo conquistada, assim, atilado, repousa o combatente.
 
 
 
 
 
 
 
 
  · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·